12 ago O Luto Nos Tempos Atuais
O trabalho de nomear a dor e angústia deste momento chamamos de processo de luto.
Trata-se de um importante recurso para a elaboração da perda, do corte não desejado e muitas vezes não previsto numa história. É preciso um tempo para que cada um possa se haver com as emoções que se mobilizam e nos afetam de modo singular. Tempo necessário e determinado. Necessário para que a dor e a tristeza encontrem formas e palavras de se expressarem e deixarem suas marcas simbólicas. Determinado, porque é importante que tenha uma duração, que seja um tempo finito para que possamos seguir a vida adiante contando com essas marcas simbólicas como parceiras.
O luto não tem padrão ou manual, tempo pré-determinado nem forma ideal. Ao longo do tempo fomos criando rituais de despedida e homenagem que começam a circunscrever algo do indizível da dor de cada um. Os que choram os mortos da COVID-19 perdem também um ritual que nossa cultura inventou: os velórios e enterros abertos ao público. Às famílias em geral só é permitida a presença de dois ou três por alguns minutos. As despedidas têm sido muito solitárias, cada um ou cada família contando apenas com suas lembranças, imagens e palavras. Perde-se o compartilhamento do laço com o outro, a troca de afeto e conforto entre pares que os rituais conhecidos favoreciam. Novos rituais precisam e estão sendo inventados.
As redes sociais vem se tornando parceira importante nessas novas invenções. A iniciativa do site Inumeráveis é uma delas. Nele, os enlutados são convidados a escrever e contar a história de seus entes queridos. Jornalistas, escritores e outros voluntários fazem uma narrativa literária. É um convite a colocar em palavras a dor, em dizer o que tem de mais singular no um a um das estatísticas globais. Quem se perde não é número, tem nome, história e laços afetivos. Outras homenagens vão surgindo… Algumas em contextos específicos, como a realizada pela Escola Brasileira de Psicanálise à nossa querida psicanalista Stella Jimenez ou a história em quadrinhos criada pela ilustradora Taissa Maia, que com delicadeza conta a história de como a COVID chegou em sua família e da perda dolorosa de sua avó. É importante que cada um possa encontrar sua forma de se despedir e atravessar seu luto.
Estamos sendo exigidos a encontrar novas maneiras e formas. Ainda temos a palavra e o laço com o outro. Mais do que nunca é o que nos resta diante do inimaginável, é o que nos separa da barbárie.
Luciana Massad
Postado 18:23h, 15 agostoTexto perfeito.