Contando com as palavras

Fomos surpreendidos por um vírus. Em si, isso não é nenhuma novidade. Desde o início dos tempos eles estão por aí… Na história da humanidade, de tempos em tempos vivemos momentos como este: surge um vírus novo, desconhecido e perigoso. O coronavírus chegou aos poucos, de país e país e se instalou no nosso cotidiano sem pedir licença. Quase que de uma hora para hora outra, mudanças inimagináveis se impuseram: isolamento social, quarentena, prioridade para o trabalho em casa, entre outras. A vida passa a acontecer no espaço das telas: dos aparelhos eletrônicos ao enquadre das janelas de nossas casas.

Fomos expostos à fragilidade de nossos corpos de forma incisiva, sem fantasias ou véus. Um corpo precário, cujas defesas mostram-se pouco eficientes diante de um mal desconhecido. Precisamos de tempo. Tempo para nos localizarmos nesta nova realidade e para a ciência construir um saber capaz de trazer-nos de volta à nossa “suposta e conhecida” normalidade. Enquanto esperamos a vida precisa continuar a acontecer! “Suposta”, de certa maneira. O narcisismo, função tão importante que constitui nosso eu, nos faz acreditar fortes e inabaláveis. Não é à toa, que quando algo nos acontece, perguntamos quase que imediatamente: Por que comigo? O eu se sente afrontado por esse ataque do mundo: Como pôde?

O momento em que vivemos parece confrontar o mundo em seu narcisismo. O vírus não escolhe países, raça, clero, gênero ou idade. Esta aí para todos e curiosamente parece construir uma história singular em cada um. Há os grupos de risco certamente, mas há também as incidências peculiares e ainda desconhecidas para alguns. O modo como vivemos essa ameaça em nossos corpos e no nosso cotidiano também se dá de forma muito particular. Cada um contando com os recursos internos que dispõe e com os que pode inventar para si. A psicanálise como experiência de fala é um convite a essa invenção tão necessária em tempos que o real irrompe de forma tão devastadora.

Desbravar palavras diante do indizível, sustentar laços na distância do corpo físico, inventar modos de viver a vida tal como ela se apresenta nos dias de hoje. Sigamos firmes nesse trabalho, contando com a palavra como parceira.

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Andrea atende na Ilha do Governador. RJ. Contato: 99359-7914

Andrea Marcolan

Andrea Marcolan é psicóloga, psicanalista. Com residência e especialização em Saúde Mental pelo Instituto Phillipe Pinel. É trabalhadora da rede de saúde mental do Rio de Janeiro.

2 Comentários
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    Ana Beatriz Bernat
    Postado 18:31h, 13 junho Responder

    Que texto conciso., forte e preciso! Que não recuemos do trabalho de sustentar um lugar vazio de saber prévio onde as palavras e as invençoes possam advir! Parabéns!

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    Ana Luisa Rajo
    Postado 22:42h, 13 agosto Responder

    Parabéns, Andréa! Texto delicado e desejante. Seguimos apostando na palavra e nas brechas que se abrem.

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